RESUMO |
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Surpresa no mundo adventista
Em abril de 1988 o mundo adventista foi surpreendido pelo artigo “Incident in Atkinson: the arrest and trial of Israel Dammon” [Incidente em Atkinson: a detenção e julgamento de Israel Dammon], escrito pelo ex-adventista Bruce Weaver.1 O texto tratava de uma reunião acontecida em 1845, a qual terminou com uma pessoa presa e que contou com a participação ativa e bastante estranha de uma mocinha de apenas 17 anos de idade, Ellen White.
E você talvez esteja se perguntando: mas como o Bruce Weaver descobriu essa história? e qual foi exatamente o papel da Ellen?
A resposta à primeira pergunta é rápida. Essa história, para lá de esquisita, foi motivo de uma reportagem que apareceu na edição de 7 de março de 1845 do jornal Piscataquis Farmer e ficou esquecida por mais de 140 anos.2 Em 1986, a reportagem foi descoberta pelo Bruce, que, então, pesquisou mais o tema e escreveu o artigo.
Já a segunda pergunta exige uma resposta bem mais longa e é o assunto desta postagem. Mas, em poucas palavras,
Cronologia dos acontecimentos
Para facilitar a compreensão, segue uma breve cronologia dos acontecimentos:
- 22 de outubro de 1844. Ao contrário do que William Miller e seus seguidores acreditavam, Jesus não voltou naquela data. Isso deixou os milleritas, inclusive Ellen White, em crise.
- 15 de fevereiro de 1845. Reunião em , na qual estão presentes, entre outros, Israel Dammon, Ellen Harmon [Ellen White] e James White [Tiago White]. Israel Dammon é detido durante a reunião sob a acusação de perturbar a ordem.
- 17 e 18 de fevereiro de 1845. Julgamento de Israel Dammon. Condenado a 10 dias de prisão.
- 7 de março de 1845. O jornal Piscataquis Farmer publica uma longa reportagem sobre o julgamento, com detalhes dos depoimentos das testemunhas. A tradução do texto integral da reportagem está disponível em formato pdf e pode ser baixada clicando-se aqui.
- 1860. Em um livro publicado 15 anos depois da reunião e do julgamento de Israel Dammon, Ellen White dá sua versão sobre os dois eventos.
Nesta postagem concentraremos a atenção na reunião em si, conforme o depoimento que as testemunhas deram sob juramento e conforme relato feito pela própria Ellen White. Por fim, com base no depoimento das testemunhas, faremos uma avaliação do relato feito pela Ellen.
Mas, antes de entrarmos nesses assuntos, cabem umas rápidas observações sobre o julgamento em si:
- Uma rápida contagem das pessoas mais mencionadas nos depoimentos das várias testemunhas revela que o nome do réu Israel Dammon aparece 72 vezes.
- Em seguida vem Ellen White, com 28 menções: 15 vezes ela é chamada de srta. Harmon (sobrenome de solteira da Ellen) e 13 vezes é chamada de Imitação de Cristo.3
- Em 3º lugar, com 21 menções, aparece Dorinda Baker.4
- Em 4º lugar temos James (Tiago) White, o futuro marido da Ellen, com 13 menções.5
- Joel Doore, de quem a Dorinda Baker parecia estar gostando, vem em 5º lugar, com 10 menções.
- Esses números mostram que, embora os adventistas aleguem que nem o James nem a Ellen estivessem sendo julgados e que nem mesmo estiveram presentes ao julgamento, o fato é que Ellen White e Tiago White tiveram papel de destaque naquela reunião para lá de cabulosa.
A reunião
Os dirigentes da reunião
“Dammon, White [futuro marido da Ellen White] e Hall eram os líderes.” (depoimento de J. W. E. Harvey)
Comentário:
Embora fosse Dammon que estava sendo julgado, James White [Tiago White], futuro marido da Ellen, foi um dos três líderes da reunião.
O estilo da reunião
Reunião desordenada e com barulho infernal
“Às vezes eles ficavam falando todos ao mesmo tempo, gritando o mais alto possível… . Eles … eram extremamente barulhentos.” (depoimento de J. W. E. Harvey)
“Em alguns momentos foi a reunião mais barulhenta de que já participei. Não havia nenhuma ordem nem critério nem nada que se parecesse com qualquer outra reunião de que já participei. … Não estou dizendo que Dammon gritava mais alto. Acho que alguns outros tinham pulmões mais fortes do que ele.” (depoimento de William C. Crosby)
“Fui jovem e agora sou velho, e de todos os lugares em que já estive nunca vi uma confusão assim, nem mesmo em algazarra de bêbados.” (depoimento do diácono James Rowe)
“Não consigo dar uma ideia do lugar — era barulho sem parar.” (depoimento de Joseph Moulton)
“No sábado à noite não teve nem um décimo do barulho que geralmente tem nas reuniões que frequento.” (depoimento de Joel Doore)
Comentário:
O depoimento de cinco testemunhas diferentes mostra que aquele foi um culto extremamente barulhento, se é que se pode chamar aquilo de culto.
Reunião com pessoas sentadas e deitadas no chão
“Vi pessoas sentadas no chão e deitadas no chão. … Não parecia uma reunião religiosa.” (depoimento de Ebenezer Blethen)
“Dammon ficava deitado no chão e, então, se levantava dando um pulo. … Eu o vi sentar-se no chão com uma mulher entre suas pernas, e seus braços estavam em volta dela. … No chão havia uma mulher [Ellen White] deitada de costas com um travesseiro debaixo da cabeça. … Eles estavam indiscriminadamente sentados e deitados no chão. … Vi [Dammon] no chão com uma mulher entre as pernas.” (depoimento de J. W. E. Harvey)
“A vidente [Ellen White] estava deitada no chão.” (depoimento de Loton Lambert)
“Vi a mulher com um travesseiro debaixo da cabeça — seu nome é srta. Ellen Harmon [Gould White]. … Vi a srta. Baker deitada no chão. …” (depoimento de James Ayer Jr.)
“A irmã Harmon ficava deitada no chão em transe.” (depoimento de Job Moody)
“Vi tanto homens quanto mulheres se arrastarem com as mãos e os joelhos pelo chão.” (depoimento de John H. Doore)
“Vi alguns deitados no chão, dois ou mais de cada vez.” (depoimento de John Gallison)
Comentário:
São sete testemunhas que, em seu depoimento, mencionam pessoas sentadas e até deitadas no chão, que é o caso de Ellen White. Algumas pessoas também se arrastaram pelo chão, e o líder, o ancião Israel Dammon, teve o comportamento bastante impróprio de estar sentado no chão com uma mulher entre as pernas e os braços em volta dela.
Reunião com muitos abraços e beijos (até na boca!)
“Eles se abraçavam e se beijavam.” (depoimento de J. W. E. Harvey)
“Então [a srta. Dorinda Baker e Joel Doore] se beijaram. Ela disse ‘Que sensação gostosa’.” (depoimento de Loton Lambert)
“Eu a vi beijar o sr. Doore. Ela disse: “Que sensação gostosa.” (depoimento de Leonard Downes)
“Vi Dammon beijar a esposa de outros homens.” (depoimento de Leonard Downes)
“O beijo é uma saudação de amor. Eu os saúdo dessa maneira.” (depoimento de Job Moody)
“Eu os vi em grupos se abraçando e se beijando.” (depoimento de J. W. E. Harvey)
Comentário:
Embora abraços e beijos sejam expressões naturais de afeto, não parece que aquele era um comportamento apropriado para a ocasião, em especial o beijo de Dorinda Baker e Joel Doore, que é claramente um beijo na boca, tanto é que ela diz “Que sensação gostosa”.
Reunião com resistência à prisão
“Quando fui prender o réu, eles trancaram a porta para que eu não entrasse. … Arrombei a porta. Fui até o réu e o segurei pela mão …. Várias mulheres acorreram e se prenderam a ele — ele ficou agarrado nelas, e elas, nele. A resistência foi tão grande que, mesmo com três auxiliares, não consegui tirá-lo dali. Permaneci na casa e mandei pedir mais ajuda; depois que chegaram, fizemos uma segunda tentativa com o mesmo resultado. De novo mandei pedir mais ajuda; depois de chegarem, nós os dominamos, o tiramos para fora e o levamos detido. Tivemos resistência tanto de homens quanto de mulheres.” (depoimento de Joseph Moulton)
Comentário:
Acho que não preciso comentar.
A mensagem pregada na reunião
Mensagem vinda por meio de visões
“As revelações das irmãs Harmon e Baker vieram de Deus.” (depoimento de George S. Woodbury)
Comentário:
Curiosamente são só mulheres que têm revelações. Por que nenhum homem recebe uma visão? Será que é porque as mulheres são mais sugestionáveis?
Mensagem: pecado demais ali no meio das pessoas
“Alguns deles diziam que havia pecado demais ali [entre os presentes].” (depoimento de J. W. E. Harvey)
Comentário:
Os próprios membros do grupo diziam que havia pecado demais…
Mensagem: inferno para os que não obedecerem
“Dammon disse que em dois dias os pecadores iriam para o inferno.” (depoimento de J. W. E. Harvey)
“[Ellen White] disse à sra. Woodbury e a outros que deviam abandonar todos os seus amigos ou iriam para o inferno. … A mulher da visão chamou Joel Doore, disse que ele havia duvidado e não seria batizado de novo. Ela disse: ‘Irmão Doore, não vá para o inferno.’ Doore se ajoelhou aos pés dela e orou.” (depoimento de Loton Lambert)
“[Ellen White] lhes contou que o Senhor havia lhe dado a conhecer a situação deles e que, caso não fossem batizados naquela noite, iriam para o inferno.” (depoimento de Isley Osborn)
“A irmã Harmon [Ellen White] disse à minha esposa e às jovens que, se elas não fizessem conforme o que ela havia dito, elas iriam para o inferno.” (depoimento de George S. Woodbury)
Comentário:
Não há nenhuma referência direta a arrependimento e perdão. De acordo com o depoimento das várias testemunhas, a ênfase na reunião foi pecado entre as pessoas ali presentes, o advento e o inferno. É interessante ver Ellen White tentando manipular os presentes, dizendo que, se não fizessem o que era dito, iriam para o inferno.
Mensagem: o mundo acabará em duas semanas
“Creio que o mundo acabará daqui a dois meses; [Israel Dammon] prega isso.” (depoimento de George S. Woodbury)
Comentário:
O julgamento aconteceu em março de 1945, mas a reunião propriamente dita havia ocorrido em fevereiro. Fazia 4 meses desde a “grande decepção”[^xx] {[^xx]: Em língua inglesa isso é conhecido como “the great disappointment”. Os adventistas traduzem erradamente em português por “grande desapontamento”. A palavra “disappointment” tem o sentido bem mais forte de “decepção”. O certo é “grande decepção”.} de 22 de outubro de 1944, quando não aconteceu a volta de Cristo aguardada para aquela data.
O depoimento de uma das testemunhas de defesa mostra que Israel Dammon havia recalculado a data da volta de Jesus para daí a dois meses, isto é, para abril de 1945.
Curiosamente Ellen White e o futuro marido estavam dando apoio a essa ideia de Cristo voltar em abril de 1945, tanto é que James White foi, junto com Israel Dammon, um dos líderes dessa reunião que terminou com a detenção do próprio Israel.
O quarto
O depoimento das várias testemunhas chama a atenção para um detalhe recorrente: uma certa vidente, a srta. Dorinda Baker, precisava ir a um quarto quase sempre na companhia de algum homem, para receber suas revelações. Eli eles se fechavam por algum tempo.
“A srta. Baker e um homem foram para o quarto. Em seguida ouvi uma voz de exclamação no cômodo: ‘Ah!’ A porta havia sido aberta. Vi dentro do quarto. Ela estava na cama. Ele a segurava. Eles saíram do quarto se abraçando; ela dava pulos e colocava as pernas entre as dele. A srta. Baker foi até o sr. Doore e disse: ‘Você me recusou antes.’ Ele disse que era verdade. Então eles se beijaram. Ela disse ‘Que sensação gostosa‘. … Logo antes de irem para a água para batizar, a srta. Baker entrou no quarto com um homem …. Eu o vi ajudando-a a subir na cama. A luz foi apagada e a porta foi fechada. Depois disso não vi nenhum dos dois.” (depoimento de Loton Lambert)
“O irmão Wood ajudou [a srta. Baker] a sair da cama e a sair do quarto; ela parecia aflita.” (depoimento de James Ayer Jr.)
“Depois que a irmã Baker entrou no quarto… . Não sei quem foi a pessoa que entrou no quarto com a srta. Baker. Era um desconhecido para mim. Ele logo saiu. Não sei dizer quanto tempo levou para ele entrar de novo.” (depoimento de Jacob Mason)
“A irmã Baker … eu não a vi mais, até que ouvi um barulho no quarto. Eles foram e a tiraram dali, conforme as outras testemunhas disseram. … Eu não disse a ninguém ontem que era preciso ter alguém no quarto com ela para induzi-la aos transes.” (depoimento de Joel Doore)
“Acho que o ancião White não esteve no quarto, mas outros estiveram. … Um dos homens entrou, sim, no quarto.” (depoimento de George S. Woodbury)
“Ouvi o barulho no quarto.” (depoimento de Joel Doore, repetindo o que já havia dito no primeiro depoimento)
“Vi a senhorita Baker sair do quarto com um homem que tinha o braço em volta dela. Eu a vi entrar com um homem e fechar a porta.” (depoimento de Leonard Downes)
“Ouvi Doore dizer para ele: ‘Era o irmão White que esteve no quarto com a srta. Baker’. … Também ouvi Doore dizer que houve barulho no quarto.” (depoimento de A. S. Bartlett)
Comentário:
São sete testemunhas que comentam a ida da Dorinda Baker ao tal quarto. Juntando todos os testemunhos é possível imaginar o seguinte:
Dorinda Baker entrou várias vezes no quarto acompanhada de algum homem. Ela ia ali para ter transes.
Pelo menos uma das vezes um homem a ajudou a subir na cama e a segurou. Ele apagou a luz e fechou a porta, permanecendo no quarto. Um barulho vindo do quarto chamou a atenção das pessoas de fora. Alguém de fora abriu a porta. Era possível ver o homem segurando a Dorinda. Mais tarde saíram se abraçando; ela estava toda alegre com as pernas entre as pernas dele.
Noutra vez um homem sai logo do quarto depois de entrar ali com a Dorinda. Mas ele voltou a entrar no quarto.
Ainda noutra vez ela pareceu aflita, ao sair do quarto.
A participação de Ellen White
Depois de Israel Dammon, a pessoa que mais aparece nos depoimentos é a Ellen. O comportamento dela durante a reunião é, no mínimo, bastante estranho.
“No chão havia uma mulher [Ellen White] deitada de costas com um travesseiro debaixo da cabeça; de vez em quando ela se manifestava e contava uma visão que dizia que lhe fora revelada.” (depoimento de depoimento de J. W. E. Harvey)
“A mulher [Ellen White] que estava deitada no chão relatando visões era chamada, pelo ancião Dammon e outros, de Imitação de Cristo. … Ela ficava deitada no chão por algum tempo, então se levantava e chamava alguém e dizia que tinha, para contar àquela pessoa, uma visão, a qual então ela contava. … [Israel] Dammon disse que Cristo revelava a ela [Ellen White], e ela revelava a outros. … Disseram que, se o Todo-Poderoso tinha qualquer coisa para dizer, ele a revelava para ela, e ela agia como mediadora.” (depoimento de Loton Lambert)
“Pelo que entendi, a irmã Harmon [isto é, a Ellen White] teve uma visão em Portland e estava viajando pelo país contando a visão.” (depoimento de James Ayer Jr.)
“A irmã Harmon [Ellen White] ficava deitada no chão em transe, e o Senhor lhe revelava a situação deles, e ela [revelava] para eles.” (depoimento de Job Moody)
“O Senhor se comunica com [Ellen White e Dorinda Baker] por meio de uma visão, de modo que dizemos que isso é o Senhor.” (depoimento de Isley Osborn)
“Vi o ancião White, … perto da irmã Harmon, que estava em transe. Durante algum tempo ele apoiava a cabeça dela. Ela estava em uma visão, estando insensível durante parte do tempo.” (depoimento de Jacob Mason)
“A mulher da visão [Ellen White] ficava deitada olhando para cima; quando saía do transe, apontava para alguém e contava a situação dessa pessoa, o que dizia que era algo que vinha do Senhor. Ela contou várias visões naquela noite. … Cremos que as visões da srta. Harmon são autênticas. … A srta. Harmon contou cinco visões no sábado à noite.” (depoimento de Joel Doore)
“Creio nas visões da srta. Harmon, porque ela acertou ao dizer os sentimentos da minha esposa.” (depoimento de George S. Woodbury)
“Não tenho nenhuma dúvida de que as visões da irmã Harmon vieram de Deus; ela disse isso para a minha filha.” (depoimento de John Gallison)
Comentário:
O depoimento dessas nove testemunhas nos oferece as seguintes informações:
A Ellen White estava viajando para contar uma visão tida em Portland.
Naquela reunião a Ellen teve cinco visões.
Ela ficava deitada no chão em transe, olhando para cima, e, quando recebia uma visão, contava o que Deus havia revelado sobre a vida de algumas pessoas.
De acordo com uma das visões, alguns ali presentes corriam o risco de ir para o inferno, se não fizessem o que ela dizia.
A profetisa adventista disse que as visões vinham de Deus.
A reunião e o julgamento na versão da Ellen White
A própria Ellen chegou a mencionar Israel Dammon em pelo menos duas cartas6 e também em sua versão do acontecimento, que ela apresenta no volume 2 de Spiritual Gifts.7 Segue a versão contada pela Ellen:
Da cidade de Exeter fomos para Atkinson. Uma noite tive uma visão que não entendi. Era que nossa fé teria de ser provada. No dia seguinte, que era o primeiro dia da semana, enquanto eu falava, dois homens olharam pela janela. Tivemos certeza do objetivo deles. Entraram e passaram por mim correndo e foram até o ancião Damman. O Espírito do Senhor pousou sobre ele, e sua força foi tirada, e ele caiu impotente no chão. O policial gritou, “Em nome do Estado do Maine, prendam esse homem”. Dois homens seguraram os braços dele, e dois seguraram os pés, e tentaram arrastá-lo embora da sala. Eles conseguiram movê-lo só alguns centímetros e, então, saíram correndo da casa. O poder de Deus estava naquela sala, e os servos de Deus, com o rosto iluminado com a glória divina, não opuseram nenhuma resistência. Os esforços para levar o ancião Damman foram repetidos várias vezes, mas com o mesmo resultado. Os homens não conseguiam suportar o poder de Deus, e era um alívio para eles correrem da casa. O número deles aumentou para 12; ainda assim o poder de Deus manteve ali o ancião Damman por cerca de 40 minutos, e nem toda a força daqueles homens conseguia movê-lo do chão onde ele se encontrava impotente. Naquele momento todos sentimos que o ancião Damman tinha de ir, que Deus havia manifestado seu poder para sua glória e que o nome do Senhor seria ainda mais glorificado em permitir que ele fosse levado do nosso meio. E aqueles homens o pegaram com tanta facilidade quanto pegariam uma criança, e o levavam para fora.
Depois do ancião Damman ser levado do nosso meio, ele foi mantido em um hotel, onde ficou guardado por um homem que não gostava do seu ofício. Ele disse que o ancião Damman ficou cantando, orando e louvando o Senhor a noite toda, de modo que não conseguiu dormir, e ele não queria mais vigiar esse homem. Ninguém queria ficar encarregado de guardá-lo, e deixaram que ele ficasse andando pelo vilarejo conforme quisesse, depois de prometer que ele apareceria no julgamento. Amigos bondosos o convidaram e o receberam em casa. Na hora do julgamento o ancião Damman estava presente. Um advogado se ofereceu para defendê-lo. A acusação feita contra o ancião Damman era que ele era um perturbador da ordem. Muitas testemunhas foram trazidas para confirmar a acusação, mas foram desmentidas pelo testemunho dos conhecidos do ancião Damman ali presentes, os quais foram chamados a depor. Havia muita curiosidade em saber o que o ancião Damman e seus amigos acreditavam, e pediram-lhe que apresentasse um resumo de sua fé. Então, de forma clara e com base nas Escrituras, ele lhes contou sua crença. Também sugeriram que cantassem hinos diferentes, e pediram-lhe para cantar um. Havia um bom número de irmãos presentes que o apoiaram no julgamento, e se uniram a ele para cantar:
“Quando eu estava na terra do Egito,
Ouvi dizer que o meu Salvador estava às portas…”, etc.Perguntaram ao ancião Damman se ele tinha uma esposa espiritual. Ele respondeu que tinha uma esposa legítima e que podia agradecer a Deus que ela era uma mulher muito espiritual desde que a havia conhecido. Acredito que ele arcou com as custas do processo e foi solto.
Contradições entre as testemunhas e a Ellen White
Há várias contradições entre o depoimento que as testemunhas prestaram sob juramento e a versão contada pela Ellen White.8
Versão da Ellen White | Depoimento e registros do tribunal |
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“No dia seguinte, que era o primeiro dia da semana“ | “Estive presente à reunião na noite de sábado passado” (depoimento de William C. Crosby) |
“O poder de Deus estava naquela sala, e os servos de Deus …não opuseram nenhuma resistência.” “Eles conseguiram movê-lo só alguns centímetros e, então, saíram correndo da casa. … Os homens não conseguiam suportar o poder de Deus, e era um alívio para eles correrem da casa.” “O poder de Deus manteve ali o ancião Damman por cerca de 40 minutos, e nem toda a força daqueles homens conseguia movê-lo do chão onde ele se encontrava impotente.” | “Quando fui prender o réu, eles trancaram a porta para que eu não entrasse. … Arrombei a porta. Fui até o réu e o segurei pela mão …. Várias mulheres acorreram e se prenderam a ele — ele ficou agarrado nelas, e elas, nele. A resistência foi tão grande que, mesmo com três auxiliares, não consegui tirá-lo dali. Permaneci na casa e mandei pedir mais ajuda; depois que chegaram, fizemos uma segunda tentativa com o mesmo resultado. De novo mandei pedir mais ajuda; depois de chegarem, nós os dominamos, o tiramos para fora e o levamos detido. Tivemos resistência tanto de homens quanto de mulheres.” (depoimento de Joseph Moulton) |
“Um advogado se ofereceu para defendê-lo.” | “Procurei, sim, advogado para defender o réu.” (depoimento de Joel Doore) |
“Muitas testemunhas foram trazidas para confirmar a acusação, mas foram desmentidas pelo testemunho dos conhecidos do ancião Damman ali presentes.” | “Concordo basicamente com Crosby e Lambert.” (depoimento da testemunha de defesa James Ayer Jr. acerca do depoimento de duas testemunhas de defesa) “Entendo que o testemunho do sr. Crosby está correto.” (depoimento da testemunha de defesa Isley Osborn acerca do depoimento de testemunha de defesa) “Ouvi o depoimento de Crosby e acho que está correto.” (depoimento da testemunha de defesa Jacob Mason acerca do depoimento de testemunha de defesa) |
“Pediram-lhe que apresentasse um resumo de sua fé.” | “O tribunal permitiu que falasse.” (registro do julgamento) |
“Também sugeriram que cantassem hinos diferentes, e pediram-lhe para cantar um.” | “O preso e suas testemunhas pediram permissão e cantaram o seguinte” (registro do julgamento) |
“Então, de forma clara e com base nas Escrituras, ele lhes contou sua crença.” | Ele leu o salmo 126 e o salmo 50. Defendeu que o dia da graça havia se passado, que o número de crentes havia reduzido, mas que o número era grande demais e que o final do mundo aconteceria em uma semana. |
“Foi solto.” | “O tribunal sentenciou o preso a dez dias na Penitenciária.” (registro do julgamento) |
As 8 contradições apontadas acima deixam claro que, 15 anos depois do acontecimento, a memória de Ellen White já não estava tão clara.
Para refletir
- O que você acha do estilo da reunião (gritaria, pessoas se arrastando no chão, abraços e beijos) na qual Ellen teve “visões”?
- O que a Ellen quis dizer quando disse que pessoas corriam o risco de ir para o inferno?
- Qual das contradições entre a versão da Ellen e o depoimento das testemunhas é a mais chocante?
- Como você explica essas contradições?
Teste: quantas pessoas você consegue identificar?
A cena no alto da postagem é uma reprodução artística da reunião em que Ellen White esteve presente. Abaixo você tem a imagem apenas com a silhueta das pessoas, algumas das quais estão numeradas.
O desafio é você identificar o número correspondente a cada uma das seguintes pessoas: srta. Dorinda Baker, William Crosby, Israel Dammon, Joel Doore, srta. Ellen Harmon [= Ellen White], James White [= Tiago White], sra. Woodbury. Atenção: o número 2 é uma pessoa não identificada. Confira o resultado no final das notas.9
NOTAS |
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1. Revista Adventist Currents, April 1988, p. 16-36. As duas imagens que ilustram esta postagem aparecem nesse número de Adventist Currents e são de autoria do artista gráfico Donald Muth. 2. O artigo do Piscataquis Farmer está disponível no seguinte endereço: https://archive.org/details/TrialOfElderI.Dammon.ReportedForThePiscataquisFarmer.-In/mode/2up; acesso em 13 mai. 2020. A tradução do texto integral da reportagem está disponível em formato pdf e pode ser baixada clicando-se aqui. 3. Um total de 8 testemunhas menciona a Ellen. Job Moody, Joel Doore e George S. Woodbury se referem a Ellen White pelo seu sobrenome de solteira. Loton Lambert é o único a chamá-la apenas de “Imitação de Cristo”. James Ayer Jr., Isley Osborn, Jacob Mason e John Gallison se referem a ela pelo sobrenome e relatam que ela não era conhecida pelo apelido de “Imitação de Cristo”. 4. Um total de 11 testemunhas menciona a Dorinda Baker: Loton Lambert, James Ayer Jr., Isley Osborn, Jacob Mason, Joel Doore, George S. Woodbury, Abel S. Boobar, Joshua Burnham, Leonard Downes. Thomas Proctor e A. S. Bartlett. 5. White é mencionado por 9 testemunhas: J. W. E. Harvey, Oton Lambert, Isley Osborn, Jacob Mason, Joel Doore, George S. Woodbury, Abel S. Boobar, A. S. Bartlett e James Boobar. 6. Carta de Ellen White a Lucinda Hall, de 16/05/1876 (carta 66, 1876; disponível em https://m.egwwritings.org/es/book/3697.1; acesso em 2 mai. 2020); e carta de Ellen White a Joseph Bates, de 13/07/1847 (carta 3, 1847; disponível em https://m.egwwritings.org/en/book/13961.2815001; acesso em 2 mai. 2020). 7. Ellen Gould White, Spiritual gifts, vol. 2, p. 40-42. Em vez de “Dammon”, a Ellen escreve “Damman”. Original: “From Exeter we went to Atkinson. One night I was shown something that I did not understand. It was to this effect, that we were to have a trial of our faith. The next day, which was the first day of the week, while I was speaking, two men looked into the window. We were satisfied of their object. They entered and rushed past me to Eld. Damman. The Spirit of the Lord rested upon him, and his strength was taken away, and he fell to the floor helpless. The offcer cried out, ‘In the name of the State of Maine, lay hold of this man.’ Two seized his arms, and two his feet, and attempted to drag him from the room. They would move him a few inches only, and then rush out of the house. The power of God was in that room, and the servants of God with their countenances lighted up with his glory, made no resistance. The efforts to take Eld. D. were often repeated with the same effect. The men could not endure the power of God, and it was a relief to them to rush out of the house. Their number increased to twelve, still Eld. D. was held by the power of God about forty minutes, and not all the strength of those men could move him from the floor where he lay helpless. At the same moment we all felt that Eld. D. must go; that God had manifested his power for his glory, and that the name of the Lord would be further glorifed in suffering him to be taken from our midst. And those men took him up as easily as they would take up a child, and carried him out. After Eld. D. was taken from our midst he was kept in a hotel, and guarded by a man who did not like his offce. He said that Eld. D. was singing, and praying, and praising the Lord all night, so that he could not sleep, and he would not watch over such a man. No one wished the offce of guarding him, and he was left to go about the village as he pleased, after promising that he would appear for trial. Kind friends invited him to share their hospitalities. At the hour of trial Eld. D. was present. A lawyer offered his services. The charge brought against Eld. D. was, that he was a disturber of the peace. Many witnesses were brought to sustain the charge, but they were at once broken down by the testimony of Eld. D.’ s acquaintances present, who were called to the stand. There was much curiosity to know what Eld. D. and his friends believed, and he was asked to give them a synopsis of his faith. He then told them in a clear manner his belief from the Scriptures. It was also suggested that they sung curious hymns, and he was asked to sing one. There were quite a number of strong brethren present who had stood by him in the trial, and they joined with him in singing, ‘When I was down in Egypt’s land, I heard my Saviour was at hand,’ &c. Eld. D. was asked if he had a spiritual wife. He told them he had a lawful wife, and he could thank God that she had been a very spiritual woman ever since his acquaintance with her. The cost of court, I think, was thrown upon him, and he was released.” 8. Bruce Weaver indica essas várias contradições (p. 26), com exceção da primeira! Até onde sei, ninguém havia se apercebido do fato de Ellen White dizer que a reunião foi no domingo, quando, na verdade, foi no sábado. 9. Respostas do teste: 1. srta. Dorinda Baker; 2. pessoa não identificada; 3. William Crosby; 4. James White [= Tiago White]; 5. srta. Ellen Harmon [= Ellen White]; 6. Joel Doore; 7. Israel Dammon; 8. sra. Woodbury. |