Ellen White e a fotografia

Durante anos vimos travando guerra com a idolatria espiritual. […] Sofro em ver as fotografias se multiplicarem e penduradas em todo lugar.⁴

Ellen comete o pecado e pede perdão

Num raro momento de sinceridade, Ellen White admite cometer o pecado da fotografia e pede perdão. Ou, talvez, ela tenha se sentido praticamente forçada a isso. Afinal, seria difícil esconder o pecado da fotografia.

Reconhecemos nosso erro. Lamentamos profundamente que chegamos a concordar em tirar fotografias, embora tenham sido outros que tenham pedido. Quantas vezes desejei que tivéssemos permanecido firmes. Mas tudo que podemos fazer agora é confessar nosso erro e pedir a Deus que nos perdoe e suplicar o perdão de nossos irmãos e irmãs.⁵

A essa altura do campeonato, Ellen estava com quase 40 anos de idade e fazia mais de 20 anos que era considerada “mensageira do Senhor”. Descer do pedestal e admitir pecado não era nem é fácil. (Digo isso por experiência própria.) Isso possivelmente explica: 1) por que ela evita a palavra “pecado” e apenas diz que reconhece seu “erro”, o que, no final das contas, dá na mesma, porque ela pede perdão a Deus e aos irmãos; e 2) por que tenta se livrar um pouco da culpa, colocando-a sobre os ombros de outros (“embora tenham sido outros que tenham pedido”).

“Olha o passarinho…”

Nada como um dia depois do outro. Nove anos depois do pedido de perdão encontramos Ellen White gostando de fotografias. Em carta ao filho James (Tiago), ela escreve:

Acho que nunca vou ter outra fotografia igual à que [o fotógrafo] Dunham tirou de mim. Ele diz que seria melhor eu ter a foto grande colocada em um cartão pequeno. O que você acha dessa ideia?⁶

Em outra carta ao mesmo filho ela diz:

Dunham me deu uma dúzia de fotografias de você. Devo enviá-las para você? O que acha delas? Eu disse a ele que não gosto delas. Elas parecem forçadas , mas você pode usá-las. Se quiser usá-las, me diga.⁷

Aqui cabem umas rápidos observações: 1) Dunham era o fotógrafo profissional que havia feito fotos da Ellen e do James. 2) Naquela época mesmo os ricos ainda não possuíam câmeras fotográficas. Tirar fotografia era serviço de fotógrafo. 3) Ellen trocava ideia com o filho sobre o assunto (“o que você acha…?“). 4) Tinha fotografias preferidas (“Acho que nunca vou ter outra fotografia igual à que Dunham tirou de mim“). 5) Tinha seus gostos fotográficos (“não gosto delas. Elas parecem forçadas“).

Ellen condena quem condena fotografias

D. A. Delafield, numa biografia oficial sobre os anos em que Ellen White passou na Europa, diz o seguinte:

Em lugar do verdadeiro teste de lealdade, os membros da igreja [adventista na cidade norueguesa de Christiania] inventaram testes sobre seu próprio vestuário e sobre fotografias. Interpretando que o segundo mandamento se aplica até a fotografias, alguns queimaram fotografias de seus amigos.⁸

Esse é, segundo Delafield, o contexto para as seguintes palavras de Ellen White:

Dessa maneira entrou um espírito de crítica, de achar defeito nos outros e de discórdia, o qual tem causado grande mal à igreja. E a impressão dada aos incrédulos é que adventistas guardadores do sábado eram um bando de fanáticos e extremistas, e que essa fé diferente os tornava indelicados, grosseiros e realmente nada cristãos no caráter/natureza.⁹

Ou seja, o biógrafo oficial dos anos de Ellen White na Europa informa que pessoas começaram a avaliar os outros quanto ao uso de fotografia e que a Ellen estava se referindo a isso quando condenou o espírito crítico que, por sinal, ela mesma ajudou a criar.

Ellen, quem te viu, quem te vê! A profetisa do adventismo dá uma guinada de 180 graus e agora, finalmente, aceita fotografias. Mais do que isso, culpa o espírito crítico de quem condenava fotografias…

Será que deu para entender?

Você consegue entender a posição da Ellen White sobre fotografias? Se não consegue, não está sozinho.

O fato é que ela mudou de posição. No começo é contra. Mais tarde comete aquilo que considerava pecado, mas culpa os outros. Por fim, para a alegria dos adventistas do sétimo dia, depois de várias idas e vindas a “profetisa” finalmente se rendeu ao novo invento, entrou na onda e se deixou fotografar muitas vezes.

Para refletir

1. Por que algumas pessoas têm dificuldade em aceitar novas tecnologias?
2. Tirar fotografia é ou não é pecado? Por quê?
3. Como devem ter se sentido aqueles adventistas que, por orientação de Ellen White, condenavam fotografia, ao saberem que ela estava condenando quem condenava fotografia?

NOTAS

1. Estudo baseado nas postagens ” ‘Picture-idols’ according to Ellen G. White”, de Robert K. Sanders (disponível em http://www.truthorfables.com/EGW_Picture_Idols.htm, acesso em 7 abr. 2020), e “Ellen White and the idolatry of photography”, de Ray Pitts (disponível em https://www.nonsda.org/egw/egw51.shtml, acesso em 7 abr. 2020). 2. Original: “This making and exchanging of photographs is a species of Idolatry. Satan is doing all he can to eclipse heaven from our view. Let us not help him by making picture-idols. We need to reach a higher standard than these human faces suggest. The Lord says, ‘Thou shall have no other Gods before me.’” (Messages to young people [Mensagens aos jovens], p. 316, capítulo intitulado “Self gratification. A species of idolatry” [Satisfação dos próprios desejos: uma espécie de idolatria]). 3. Original: “After going from home to home, and seeing the many photographs, I was instructed to warn our people against this evil. This much we can do for God. We can put these picture-idols out of sight. They have no power for good, but interpose between God and the soul.” (Messages to young people [Mensagens aos jovens], p. 318). 4. Original: “We have for years been waging war with spiritual idolatry. ….. I am pained to see the photographs multiplied and hanging everywhere.” (The Ellen G. White 1888 materials, p. 887). 5. Original: “We acknowledge our error. We deeply regret that we ever consented to sit for our pictures. For years I would not consent to have our pictures taken, although solicited to do so. How many times I have wished we had remained steadfast. But all we can do now is to confess our wrong and ask God to forgive us, and entreat the forgiveness of our brethren and sisters.” (Advent Review and Sabbath Herald, 26 mar. 1867) 6. Original: “I do not think I shall ever get a picture to equal the one Dunham has made for me. He says I had better have the large one put on a small card. What do you think of this plan?” (Carta 17, de 30 abr. 1876, p. 2; escrita para James White). 7. Original: “Dunham gave me one dozen of these pictures of yours. Shall I send them to you? What do you think of them? I told him I did not like them. They did not look natural, but you can use them. If so let me know” (Carta 21, de 5 mai. 1876, p. 2; escrita para James White). 8. Original: “In place of the true test of loyalty, the Church members had manufactured tests of their own on dress and photographic pictures. Interpreting the second commandment to apply even to photographs. Some had burned pictures of their friends.” (D. A. Delafield, Ellen G. White in Europe 1885-1887, p. 119). 9. Original: “Thus a spirit of criticism, fault-finding, and dissension had come in, which had been a great injury to the church. And the impression was given to unbelievers that Sabbath-keeping Adventists were a set of fanatics and extremists, and that their peculiar faith rendered them unkind, uncourteous, and really unchristian in character” (Historical sketches, p. 211; palavras também citadas em Delafield, Ellen G. White in Europe 1885-1887, p. 120).